domingo, 19 de junho de 2011

Tio Mirico, Vô José e os coquinhos...
Tio Mirico, filho de meu avô paterno, irmão de meu pai, José, o Juca ou Zé, era muito serelepe. E arteiro. Artes para ele era fazer troça de meu pai, seu companheiro mais próximo em idade e companheiro de brincadeiras.
Moravam Tia Alice, Tia Camila, Tio Mirico, Tia América (mijona, por que fazia xixi nas próprias roupas) e papai (o Zé ou Juca, como vovô o chamava), mais Vovô e Vovó em uma fazenda no interior de São Luiz Gonzaga.
Naquela época só havia lampiões a querosene, fogão a lenha, piso de chão nas casas, carroças e bois, cavalos, e bichos domésticos.
Certo dia, vovô estava em casa descansando e mandou os meninos cortarem folhas de palmeira para dar de comer aos animais... Lá se foram Tio Mirico e papai.
Papai devia ter uns cinco anos de idade e Tio Mirico era bem mais velho, tanto que já entendia de tudo.
- Zé, vai pra trás um pouco que vou derrubar uns coquinhos para nós comermos...
Papai veio para trás e ele deu uma batida com a taquara que tinha na ponta uma foice um pouco pesada. Caiu uma chuva de coquinhos.
- Agora vai lá e enche esta bolsa com os coquinhos e depois vamos para casa levar a forragem para os animais...
Enquanto papai colhia coquinho por coquinho ele ficou a pensar numa brincadeira gostosa para se dar muita risada. Ora, guri costuma rir da dor, mas da dor alheia...
Papai já havia enchido quase meia bolsa com coquinhos e ele então deu uma batida com força noutro cacho de coquinhos (butiás) e foi aquela chuva de coquinhos sobre papai.
Foi coco nas costas, nas pernas, na cabeça, no pescoço, nos braços nas mãos e papai ficou todo embolotado, pois caíam como pedras. As palmeiras lá eram muito altas.
Lá se foi papai chorando contar para Vô Guta.
- O que foi menino, por que está chorando? – e papai lhe conta tudo.
Aí o Vovô Guta mandou Vovó Dadade dar uns bolinhos e acalmar o papai e depois mandou ele ir brincar... Enquanto isso, o Tio Mirico teve que colher as folhas de palmeira ou de coquinhos sozinho e trazê-las para o gado. Provavelmente o velhinho deu-lhe umas boas lambadas... Como sempre.

Vovó e a cobra. Vovô e Cuidado!
Vovó, durante anos a fio, fez corochês (crochet) para vender. Eram tão delicados estes corochês e tão bem fiados que pareciam pequeníssimas obras de arte. Eu mesmo tenho um destes corochês guardados como lembrancinha de minha Avó.
Além dos corochês, Vovó cuidava da casa, matava porcos, cuidava de tudo na fazendinha onde morava. Vovô Guta viajava constantemente. Depois de cada colheta estava ele com a carroça cheia de produtos da fazenda e ia vendê-los na cidade. E vovó se via solita durante aproximadamente um ano. Ano após ano, filho após filho. Vovô deixava-a grávida e ia para a cidade. E ela corochetando comprava tecidos, agulhas, lápis, cadernos para as crianças, e tudo o que faltava para sua pequena família.
Numa destas, certo dia, Vovó ouviu uma gritaria e cacarejos de galinhas e galos, e os cães a ladrarem com raiva em volta do paiol. No paiol ficavam as galinhas e também havia um tipo de teto cheio de palha de milho e milho onde havia muitos ratos... Por causa do milho que ali havia guardado. Todos se assustaram e Vovó foi ver o de que se tratava... Era uma enorme cobra, com uns dois metros de comprimento, gorda e forte. Certamente estava atrás dos ratos.
Então ela pegou uma taquara comprida e derrubou a dita cuja de lá de cima e começou a bater-lhe na cabeça com a taquara. Matou-a!
Deixou-a dependurada provavelmente em alguma cerca ali por perto.
Quando, dias depois Vovô voltou para casa espantou-se com o tamanho da cobra e Vovó que já estava acostumada com as dificuldades da lida da fazenda disse-lhe apenas que ela a tinha matado.
Vovô ficou assutado e provavelmente por aqueles dias, durante algum tempo, tomaram cuidados com o paiol.
Vovô Guta tinha um cãozinho que se chamava “Cuidado”. Aonde ele ia, Cuidado ia atrás, seguindo-o fielmente. Era um cão guaipeca, sem raça, vira lata, de médio porte e muito forte.
Certa vez Vovô estava carpindo o mato em volta de uma árvore que ele havia derrubado a machado e quando foi erguer ou virar o tronco segurando um dos galhos saltou uma cobra venenosa e imediatamente Cuidado atirou-se-lhe ao pescoço (da cobra) e segurou-a com força.
Cuidado morreu. Vovô nunca esqueceu de Cuidado. Ele era fiel e salvou-lhe a vida.
Bolinho, Titia!
Quando meu pai era ainda muito pequeno, os guris em domingos e feriados em que não tinham que ir para a roça trabalhar e era só descanço, ficavam embaixo de uma ramada, deitados em redes e no chão mesmo e comiam bolinhos de fubá que vovó fazia. Vovó era muito boa cozinheira e fazia-os tão capricados que eram sucesso entre os moleques.
Tinham também um primo que sempre ia à fazenda e não sabia dizer outra coisa: - bolinho Titia! Era o tempo todo: bolinho Titia.
Vovó Dadade (Felicidade) era uma mulher muito bondosa e não se negava a dar bolinhos aos sobrinhos e estes bolinhos eram deliciosos...
Meu Tio Mirico, muito arteiro, encontrou certa vez, um lagarto, e armado de bodoque acertou-lhe bem na cabeça, matando-o. Depois de lhe retirar a pele e deixar secar durante um tempo, encheu a pele do bico com palha do paiol e costurou-lhe esta pele com linha preta da Vovó.
Também achou uma cobra, provavelmente não muito grande, e fez a mesma coisa.
Gostava de fazer brincadeiras o Tio Mirico. Eram todos piás e não tinham com que se divertir.
Porém, o Tio Mirico não aturava mais o primo “bolinho Titia”, e era assim que o chamavam, pois não sabia dizer outra coisa.
Estavam em uma tarde ensolarada, logo depois do almoço, embaixo da ramada a conversarem, os piás da turma, todos irmãos (Vovô e Vovó tiveram 15 filhos em 15 anos, aproximadamente, dos quais sobreviveram 13). Tio Mirico havia deixado o lagarto atrás de um arbusto, próximo à ramada, e com a linha preta segurava de longe o próprio bicho morto. De repente chega o menino e pede para Vovó: - bolinho Titia!
Tio Mirico ficou atiçado e começou uma conversa mais ou menos assim:
Pois olha se lembram daquela cobra que eu matei? Pois é, as vezes elas vem de novo incomodar – e foi puxando devagarinho para perto do piá o lagarto empalhado.
Quando chegou bem perto do menino, deu um grito: cobra!
O guri se assustou e saiu correndo e por longo tempo não veio mais pedir: - bolinho Titia!

Um comentário:

  1. olá, mano; boa a recontagem das histórias do pai; o bom é que não se perderão. Bom texto! abraço; ah, e acessa meu blog, e dá tua opinião tb: athenasminerva@blogspot.com.

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